Data:25/11/2006
Local: Rua Senador Pompeu, 2723 (Casa da Santa)
Evento: Casa da Santa
Chris Salas apropria-se do espaço montado por Wellington Jr. Junto com Greta Frota e Dadylla Rabelo, encena a fuampa em seus preparativos para a função. Atualizam o próprio título da obra: “mamãe quero ser…”
Depois de pronta, a madama, com sua corte, distribui doces para convidados no salão. Pequenos caralhos de caramelo, “pirolitos”. Um fetiche, “com açúcar e com afeto”… Quem se habilita?
***
Palmas. Toda semana era igual. A menina corria ao portão, murinho baixo e branco, para ouvir a pergunta:
– Pirulito?
E corria casa adentro até encontrar a dona da casa e dizer:
– Mãe, pirulito!
– Menina, isso faz é mal!
– Ô, mãe… Eu quero!
Vontade satisfeita. Ela olhava os doces dependurados nos buraquinhos da tábua. O olhar concentrado, a visão limitada pela pouca idade e pela gulodice.
Toda semana o encontro. Tempos depois, não era mais a mulher morena, cabelos desalinhados, “a mulher do pirulito”, que os vendia, mas uma menina, talvez sua filha. E um novo encontro se dá. Duas meninas, então. Dois mundos? Um para dentro e outro para fora do portão.
Os doces eram puro açúcar, derretido e enformado em rolinhos, conezinhos de papel branco. Palitos de madeira muito finos enfiados no centro. Era fácil desembrulhá-los. O calor do sol os deixava moles o suficiente para que o papel não grudasse.
Um dia, a dona da casa dispensou a vendedora mirim, dizendo à filha que ela mesma faria as guloseimas. O açúcar derretendo na panela até virar um caramelo dourado e cheiroso. Palitos de fósforo como cabinhos. O mesmo sabor? Para ela sim, mas o papel, esse, grudou.
Nunca mais viu a menina dos pirulitos de mel. Viu outras, e outros, pois também viu meninos, anos adiante, andando pela areia quente da praia do futuro, nos calçadões da Beira-Mar, nos transportes coletivos. A realidade era outra ou sempre fora aquela, crianças com todo o peso da vida nas costas? Dos doces, amendoins torrados, espetos de queijo de coalho assado às jujubas coloridas e outras balas industrializadas. Pequenos andarilhos modificando a toada:
– Uma esmolinha pelo amor de Deus!
Exploração? Abandono? Luta pela sobrevivência. Na rua, do lado de fora dos muros. A escola, muitas vezes, uma opção distante da realidade. Vendedores infantes. Quem/o que estará por trás? Infância e adolescência vendidas a “três por um real”. Porta entreaberta para outros caminhos, a mesma calçada, outro “produto”. Outra profissão? Diz-se, talvez, a mais antiga da humanidade.
Muitos anos passados, ela aprendeu a adicionar “mel Karo” à receita ensinada pela mãe para melhorar o sabor. O tradicional transmudando-se no tempo. O caramelo escorrendo da colher para fôrmas de acetato em formato de pênis. O formato fálico agora mais do que evidenciado. Pirolitos. Pirocas doces. No trocadilho um tom irônico e escrachado. Mania de cearense? Costume emprestado. A metáfora ao contrário, o sentido escancarado, pornográfico.
O prazer em pauta; sexo e sentidos. As reflexões sobre a cidade, a sociedade, o humano, a base de sustentação. No calçadão da Avenida Beira-Mar, nas ruas do centro, no meio-fio das rodovias, à venda, corpos e guloseimas. “Putas pobres”, a “dez real”. Serviço despudoradamente ofertado no meio da rua: “Chupetinha!”. “Putas de classe”, bem cuidadas, “decentemente vestidas”, nunca a menos de cinqüenta reais o programa, nos hotéis e bares da Praia de Iracema.
Concepção: Chris Salas Roldan
Categoria: Performance
Produção
Material: Açúcar, Palitos