Data: 25/11/2006
Local: Rua Senador Pompeu, 2723, Fortaleza CE
SAGRADO E PROFANO PARA LEVAR A ARTE AO PÚBLICO
A exibição e a contemplação do sagrado e do profano pela arte: esses elementos fizeram parte do cenário da festa de apresentação dos trabalhos do Projeto Balbucio, no dia 25 de novembro de 2006.
O coletivo de artistas abriu sua casa, no Benfica, ao público, para apresentar as atividades desenvolvidas com os recursos da premiação no Programa BNB de Cultura (2005). O evento teve como palco um ambiente inspirado na Casa da Santa, um grande bordel de luxo situado no bairro e em funcionamento até a década de sessenta do século passado, frequentado por empresários, políticos, militares e artistas importantes.
A Casa da Santa fechou, mas o glamour e o cotidiano desse ambiente foi transportado para a casa do Balbucio – projeto de Extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC) – com o objetivo de mostrar o espaço de moradia (cinco integrantes do projeto residem na casa, o professor inclusive!) como um ambiente para subverter o contexto, no fundo é o papel da arte.
Foram mostrados projetos do grupo em desenvolvimento desde abril de 2006, como ETC. Rapadura, e instalações específicas criadas para a ocasião. A exposição foi o resultado das reflexões sobre arte, comunicação, performance, espaço urbano, público x privado, promovidas pelo coletivo formado por Cândido Filho, Chris Salas Roldan, Dadylla Rabelo, Flávia Salcedo, Greta Frota, Jedi, João Vilnei, Juin, Tobias Gaede e Wellington Junior.
SERVIÇO
Casa da Santa
Rua Senador Pompeu, 2723
3243.1853
DIA 25/11
20h FESTA DE ABERTURA – PARA CONVIDADOS
DIAS 26-28/11
14h às 21h EXPOSIÇÃO ABERTA AO PÚBLICO
O NOME
Casa da Santa [randevu de luxo freqüentado por senadores da república, empresários e artistas (Nelson Gonçalves deu uma “canja” lá!). No bordel comandado por Dona Santa, havia goianas, gaúchas, cariocas, argentinas e cubanas; “meninas” para todos os gostos. Fechou as portas no fim dos sessenta. Tudo por causa do assassinato de um capitão- aviador. Fatalidade. Endereço? Teodoreto Souto, 1001, Benfica. O casarão de paredes duplas e portas de jacarandá foi demolido. Virou oficina mecânica.]
Para o evento que aconteceu no final de novembro, o projeto Balbucio fez da Casa da Santa seu mote e seu nome; seu tropo, sua metáfora.
OS TEMAS
VIDA EM COMUM
Viver junto… Necessidade/ desejo/ vontade.
Havia a necessidade de aglutinação geográfica do coletivo para viabilizar e dinamizar a produção dos projetos; dum espaço que pudesse ser, ao mesmo tempo, ateliê, sala de reuniões, almoxarifado e espaço expositivo.
Um quesito unânime: tinha que ser no Benfica. Para ratificar, sim, os vínculos institucionais com a UFC; facilitar o acesso aos equipamentos que ela disponibiliza para o projeto (câmeras, projetores, estúdios, laboratórios, auditórios, bibliotecas); encurtar distâncias entre os membros e entre eles e o seu lugar de trabalho, estudo e ação artística.
Outro fator preponderante na escolha do local foi a diversidade que marca o bairro. Residencial, comercial, industrial, universitário, boêmio, histórico, lugar de passagem, não-lugar? Um pouco de cada e nenhum por completo. Casas, apartamentos; vendedores ambulantes, fotocopiadoras, funerárias, shopping; fábricas; escolas, universidade e faculdades, bibliotecas; teatro, cinemas, praças, bares e restaurantes; prédios históricos garantem a fisionomia pluriforme e complexa do bairro.
A diversidade e a complexidade, já verificáveis na estrutura física, dilatam-se diante da mobilidade dos usos, funções e valores atribuídos por quem nela mora, trabalha, estuda, se diverte. Diferença e inacabamento são os fatores estruturantes gerais das relações estabelecidas nesse contexto. Se pela primeira, e só por ela, é possível estabelecer o valor (a identidade, de certo modo) dos elementos na cadeia de signos que o código é ; a natureza faltosa do segundo é a condição sine qua non das hibridizações e contaminações entre as representações em cena. Parece que se esconde aí a toda possibilidade de inovação. Isso interessa ao projeto.
Mas a idéia de morar junto, que aos poucos foi apontando como possibilidade, de início, não estava em pauta. A radicalização dos vínculos inter-pessoais estabelecidos somente pela via institucional (professor-alunos, aluno-aluno, coordenador-extensionistas) que viver junto implicava causava estranhamento não só entre os colegas e familiares, mas aos próprios membros do projeto. O que de fato estava por trás do desejo de comunidade? Derradeiro (ou, ao contrário, o desencadeador, o start de tudo?) e mais persuasivo dos motivos: afeto.
A CASA E A CIDADE
Desde junho deste ano, o professor Wellington Jr, do Curso de Comunicação Social divide, com mais quatro alunos extensionistas do Projeto Balbucio, uma casa na esquina das ruas Senador Pompeu e Padre Miguelino. No mapa, bem no encontro dos bairros de Fátima, Benfica e José Bonifácio. Uma encruzilhada.
A casa antiga, da década de 40, ainda mantém alguns traços originais, mas sofreu com o avanço do concreto, do alfalto e do medo. Teve o jardim desmantelado e as duas árvores que a protegiam do escaldante sol vespertino cortadas no tronco. No lugar da grama, cerâmicas esmaltadas. Recebeu grades; a janela com persianas do quarto da frente abriu-se numa porta de ferro dupla para “fins comerciais”, embora ainda possa ser alugada como residência.
Centenas de automóveis, particulares e coletivos, despejam pó, fuligem e ruído dentro dela. O colégio ao lado contribui com a sua cacofonia: gritos, avisos no serviço de som, buzina de pais apressados – e mal educados! – e uma seleção musical que vai de Xuxa a Britney Spears (às sete e meia da manhã!?), passando por Sandy e Junior, Eliana e similares.
O calor é insuportável e, em determinadas épocas, há infestações de muriçocas. Privacidade, só com portas e janelas cerradas. Uma vaga de garagem. Um banheiro. A estrutura de sessenta anos não atende ao programa de necessidades de cinco pessoas no mundo contemporâneo. Mas ainda assim é casa e não é a única ali nas mesmas condições.
Como viver assim? Como lidar com a impossibilidade do lugar de atender às necessidades atuais de moradia devido, não só a fatores alheios à estrutura (os sócio-econômicos, por exemplo), como àqueles relativos às transformações no próprio espaço físico da casa? Que valor tem este espaço tão ambíguo e indeterminado no contexto maior da rua, do bairro, da cidade? Que função de memória ainda subsiste diante das deformações operadas?
O Balbucio pagou pra ver e agora abre as portas da casa ao público para mostrar os primeiros resultados da experiência.
SAGRADO & PROFANO
O Barroco trabalhou mais intensamente que outra estética qualquer as oposições céu x terra; carne x espírito; bem x mal; salvação x danação, mas não são um tema exclusivo da arte contra-reformista, posto que, antropológicas. Tais oposições remontam à cisão ancestral, em termos de consciência, entre homens e deuses, entre o lado de cá e o lado de lá; quando, só daí, pode-se falar em religião (sentido etimológico = re-ligar).
O jogo perpétuo entre as partes cindidas foi representado exaustivamente pelas culturas, ora buscando reintegra-las (yin/yang oriental) ou opondo-as mais ferrenha e irremediavelmente (Deus e o Diabo, no judeu-cristianismo); mais ainda: o olhar erótico dos habitantes de Sodoma e Gomorra para os anjos do Senhor; Apolo e Dionísio na Grécia Antiga; gárgulas e pequenos demônios sorrateiramente incrustados entre as imagens de santos nas catedrais góticas; a contaminação da iconografia religiosa pelo humanismo renascentista; a erotização das formas religiosas no Barroco; e, hoje, o desvio do desejo de consumo [libido perversamente determinada pelo mercado] para a “mercadoria” religiosa: livros, discos, filmes, shows-missas, igrejas eletrônicas, eventos em estádios esportivos e até micaretas para Jesus!
Não por acaso, a tensão entre sagrado e profano insiste historicamente, ela é – para o bem ou para o mal (se se quiser dizer assim) – o próprio motor da história.
PROSTITUIÇÃO, CARNAVAL, INVERSÕES
Apontar o exemplo das Prostitutas Sagradas na antiguidade é recurso óbvio e fácil. Sua atividade junto ao templo era considerada fundamental para a fertilização e manutenção de toda a ordem inclusive, e primordialmente, a sagrada. Lembre-se: antes dos deuses fálicos, vulcânicos, patriarcais, havia a Grande-Mãe: só tetas, ventre e vulva, tudo reduzido à função vida (Vênus de Willendorf). Não é também isso que importa numa vestal?
A valoração negativa da prostituição é acontecimento recente na história geral, tem suas origens na catolicização da moral judaico-cristã e, como conseqüência, na desvinculação da prática do âmbito do sagrado. Desinvestida de sua função religiosa, vira comércio: “a profissão mais antiga do mundo”.
O randevu baudelairiano de que trata Walter Benjamim em Jogo e Prostituição e n’O Flaneur é exemplo menos vulgar. Lá é o lugar do conspirador profissional; é, lá, no salão parisiense do século XIX, que se prepara (ou finge-se que) a revolução. É o espaço do “lírico no auge do capitalismo”. Aquele viço ancestral da prostituição se insinua, mesmo quando uma outra lógica, a do mercado, torna-se hegemônica.
Uma inversão se realiza. O antro, o bas-fond (baixo-fundo), o ventre, as tripas tornam-se lugar de renovação da vida. Em Mihail Bakhtin , esse é o próprio espírito do carnaval, o tempo das inversões: alto↔baixo, masculino↔feminino, senhor↔escravo. Como no sexo, o jogo dialético garante a reprodução.
TRABALHOS APRESENTADOS
– Nossa Senhora da Queda
– Mamãe quero ser
– Pirolitos
– Cenóbio
– 96010033518
– Cozinha RGB
– O essencial é saber ver pocket
– Digital-digital – Versão coletiva
– Sinais
– gentilandia.com
Concepção: Projeto Balbucio
Categoria: projeto, evento, exposição
Produção: Cândido Filho, Chris Salas Roldan, Dadylla Rabelo, Flávia Salcedo, Greta Frota, Jedi, João Vilnei, Juin, Tobias Gaede, Wellington Junior, Maria Karan, Letícia Silva e Verdiene Verdiano
Registro
fotográfico: João Vilnei, Igor Grazianno e Jojô
Conteúdos relacionados:
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