Sobre
O Projeto Balbucio foi um coletivo de artistas do Ceará que entre 2003 e 2011 desenvolveu trabalhos com foco nas intercessões entre Comunicação, Corpo e Arte. O grupo, que nasceu como um projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará, rapidamente expandiu suas atividades além dos muros da UFC. Em 2005, recebeu o prémio do Programa BNB de Cultura. Em 2006, foi premiado no III Encontro de Cultura e Arte da UFC. Em 2011, no Porto, apresentou “Aula – Das imbricações metodológicas entre criação artística e pesquisa acadêmica”, e em Aveiro, “Cores”. Em Fortaleza, o grupo participou do DeVERcidade com “Rei de Ratos” e “Boca a Boca” (2010), no Fortaleza 24H com “Fortalezas” (2008), na Bienal Internacional de Par em Par com “Glossolalic Machine #3 (Plugged): Bureau” (2008), no II Festival BNB de Artes Cênicas com “Glossolalic Machine #1 (Plugged): Cenacula” (2008) e no Festival Palco Giratório com “Fiandeiras” (2005). Além da participação em importantes eventos da cidade, o Projeto Balbucio promoveu a “I Mostra Balbucio de Tecnologias Ordinárias” (2010) no CCBNB, a “Casa da Santa” (2006) e os “Seminário [bawbus´iu] de Arte e Comunicação: ETC. Rapadura” (2006) e “Articulações” (2005). Uma de suas performances compõe o acervo co Museu de Artes da Universidade Federal do Ceará desde 2008, a “Glossolalic Machine #1 (Plugged): Cenacula”. *** *Em finais do mês de Setembro de 2003, cinco jovens altos e magros estavam sentados em cadeiras dispostas em um círculo, virados para fora, descalços, vestidos com macacões industriais vermelhos e com meias-calça pretas que cobriam a cabeça do topo até a altura do nariz. Eles tentavam, dessa forma, reproduzir o que seria uma vagina gigante formada por falos. Apenas um daqueles rapazes não tinha a cabeça coberta com a meia, já que seus longos cabelos loiros tapavam todo o rosto, deixando à mostra apenas nariz e boca. Cada um deles tinha um mealheiro de barro em formato de porco nas mãos – mãos que estavam vestidas com grossas luvas cinzentas, de aspecto industrial. O público movimentava-se ao redor daquele círculo e, a cada interação com os cinco, a cada tilintar de moedas nos mealheiros, um pulso, um som era por eles produzido. À medida que os porquinhos enchiam-se, a linguagem dos anjos, aquela que transpõe o entendimento racional e semântico, era sussurrada, libertada, balbuciada. Não fosse a presença do público e sua intervenção, não haveria depósito de moedas e, dessa forma, não haveria som. A máquina não funcionaria. Foi na XVI Semana de Comunicação da Universidade Federal do Ceará – UFC, que a primeira de uma série de Máquinas Glossolálicas idealizadas pelo Prof. Dr. Wellington Junior foi apresentada. Glossolalic Machine #1 – Cenacula, chamou a atenção de alguns estudantes do Curso de Comunicação, que se juntaram àquele grupo de cinco rapazes, e iniciaram uma prática constante da Pesquisa em Arte na universidade, os seus desdobramentos, as relações com o corpo e as possibilidades da voz, mais concretamente, sobre o dom de línguas [1] – a glossolalia [2] – tema da pesquisa de doutoramento do professor. As reuniões desse grupo chegaram a receber mais de quinze pessoas. A ideia inicial, naquela altura ainda pouco nítida, era a de preparar o corpo, física e mentalmente, para novas performances, ao mesmo tempo em que se procurava aprofundar as discussões sobre Arte. O grupo começava a tomar corpo e, em determinado momento, surgiu a necessidade de um nome. Era preciso uma palavra que o identificasse e representasse, que definisse seu propósito e sua atividade. Mais rapidamente do que era esperado, foi possível chegar à mesma opinião compartilhada por Crátilo, sobre a justeza dos nomes, conforme apresenta Platão: “Este nosso Crátilo, Sócrates, opina que existe, naturalmente, uma designação justa para cada um dos seres; e que o seu nome não é aquele por que alguns convencionalmente os designam, servindo-se de uma parcela de sua linguagem; ao contrário, segundo ele, existe naturalmente, tanto para os Gregos como para Bárbaros, uma justeza de designação idêntica para todos.” (PLATÃO 1966: 5) Balbucio, sem votação nem sorteio, como que surgiu [3] e foi aceito. Somente alguns meses depois, ao tornar-se uma atividade de extensão oficial, vinculado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade, transformou-se em “Projeto Balbucio” e desenvolveu suas atividades até finais de setembro de 2011, quando foi encerrado após nove anos de produção em diferentes suportes e técnicas. [1] – “No protestantismo, o surgimento do pentecostalismo evangélico no começo deste século e seu reavivamento no final dos anos 50; no catolicismo, o surgimento da Revolução Carismática Católica (RCC) no início da década de 1960 e sua afirmação no decénio seguinte, lembram-me a retomada, num nível realmente considerável, de um fenómeno que Otávio Paz arrisca pensar com uma ‘permanência do espírito humano’: o ‘dom das línguas’ ou como preferiu a ciência moderna designar, glossolalia.” (OLIVEIRA JUNIOR, 2000, p.17) [2] – Apesar da sua importância, principalmente nos primeiros trabalho do grupo, a glossolalia não está presente, como bem diz Frota, “(…) em todos os trabalhos do Balbucio, mas assume um papel fundamental nas temáticas do grupo: é ela que recupera as técnicas da vanguarda poética do século XX, responsável por influenciar o desenvolvimento da poesia contemporânea, fazendo referência à tradição e reafirmando as infinitas possibilidades de apropriação e reutilização do passado na construção artística, permitindo a exploração de suas capacidades significativas e ampliando o universo das proposições estéticas com o uso da voz.” (FROTA, 2008, p.34) [3] – Dito pelo Tobias Gaede. – FROTA, Greta (2008) Corpo Livre – Um estudo sobre performances do Projeto Balbucio. (Monografia apresentada para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social) Fortaleza: Universidade Federal do Ceará. *Texto retirado de OLIVEIRA FILHO, João Vilnei de (2011) Relações entre jogo e arte – o Projeto Balbucio e a transição entre as performances “cores berrantes”, “cores ninja” e “cores”. in OLIVEIRA JUNIOR, Antonio Wellington [org] (2011) A performance ensaiada – ensaios sobre performance contemporânea. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora. ISBN: 978-85-7563-945-0 |